A extinção da punibilidade acontece quando, verificada alguma das hipóteses extintivas de punibilidade previstas na legislação brasileira, não há mais como se impor ao réu ou condenado a sanção cominada ou aplicada. Ou seja, não há mais interesse punitivo estatal e não pode mais ser imposta qualquer sanção sobre o indivíduo.
A extinção da punibilidade é um tema que de tempos em tempos suscita dúvidas e questionamentos. Em linhas gerais, podemos afirmar que ela se constitui na perda do ius puniendi, o direito de punir, pelo Estado.
Se da prática do fato criminoso nasce o direito de punir, é preciso saber que, em paralelo, existem hipóteses legais que, se preenchidas, impedem a imposição da punição ou a sua continuidade.
A fim de esclarecer o tema e identificar as possibilidades e consequências de sua aplicabilidade, explicarei questões conceituais, hipóteses de extinção da punibilidade e revisarei os seus efeitos.
Desde já, antes de iniciar a análise conceitual, é importante salientar que estes efeitos não serão uniformes e nem sempre se verificação no mesmo momento processual ou trarão as mesmas consequências.
Embora seja tema de direito penal, uma vez que o processo penal é instrumental e imprescindível à imposição das normas penais incriminadoras, é importante frisar que a extinção da punibilidade somente se dará a partir de um ato jurisdicional, antes, durante ou mesmo após o término do processo.
O que é a extinção da punibilidade?
Aprofundando-se a questão conceitual, como leciona Santiago Mir Puig, as causas extintivas da punibilidade põe “ponto final ao dever de responder penal” pela prática de um ato ilícito. Isso significa dizer que, uma vez verificadas, morre o interesse punitivo estatal.
Como bem trazido por Cezar Bitencourt, a punição é uma consequência da conduta típica, antijurídica e culpável. Contudo, após a prática do fato delituoso, podem ocorrer hipóteses aptas a impedir a eventual aplicação ou execução da respectiva sanção.
Na lição de Fragoso:
Assim, verificada alguma das hipóteses extintivas de punibilidade previstas na legislação brasileira, não há mais como se impor ao investigado, ao réu ou ao condenado a sanção cominada ou aplicada. Afirmar que morre o interesse punitivo estatal significa dizer que não pode mais ser imposta qualquer sanção contra o indivíduo.
Previsão legal
As possibilidades de decretação de extinção da punibilidade do direito criminal brasileiro estão espalhadas na legislação. Contudo, é possível identificar o art. 107 do Código Penal Brasileiro como ponto central de ancoragem do instituto no nosso ordenamento jurídico.
Nele, são previstas sete hipóteses ainda vigentes de extinção da punibilidade, dentre elas a prescrição que, em virtude de sua complexidade e das discussões que dela emanam, será objeto de outro estudo.
São elas: a morte do agente, a anistia, graça ou indulto, a abolitio criminis, a prescrição, a decadência ou a perempção, a renúncia ao direito de queixa ou o perdão aceito, a retratação do agente e o perdão judicial.
Da mesma forma, outras causas espalhadas pelo ordenamento jurídico igualmente extinguem a pretensão estatal, como o transcurso temporal dos prazos de suspensão condicional do processo, de suspensão condicional da pena (art. 82 do CP), e do livramento condicional; o pagamento do débito tributário dos crimes previstos na Lei 8.137/90; a satisfação do parcelamento requerido antes do recebimento da denúncia em crimes tributários e previdenciários; e a reparação do dano no caso da prática do crime de peculato culposo.
Hipóteses de extinção da punibilidade
Ao analisar as hipóteses, percebe-se que a perda do direito de punir poderá ter como causa situações que dependam ou não de uma conduta patrocinada pelo investigado, em momentos específicos ou não da relação processual, inclusive antes e depois de sua existência.
Assim, cumpre analisar individualmente as causas extintivas da punibilidade anteriormente exemplificadas e de maior aplicabilidade.
Pela morte do agente – art. 107, I, do Código Penal
Como decorrência lógica de um sistema jurídico que não admite que as penas possam passar da pessoa do condenado – garantido pelo princípio da pessoalidade ou personalidade da pena, traduzido no art. 5º, XLV, da Constituição –, a morte do investigado, acusado ou condenado extingue a punibilidade.
Pouco importa o momento. Tanto nas fases pré-processual, processual ou executória, a consequência jurídico-penal é a mesma: a impossibilidade de imposição de sanção penal.
Por decorrência lógica, é claro que não é necessário desperdiçar tinta em relação à pena de detenção ou de reclusão. É importante deixar claro, porém, que nenhuma pena pecuniária de natureza criminal – multa ou prestação pecuniária – persiste à morte do agente.
Contudo, cumpre enfatizar que, caso a morte se dê após ao trânsito em julgado da sentença condenatória, já nasceu o dever de indenizar consequente da condenação criminal. Portanto, este será transmitido aos eventuais herdeiros no limite de suas respectivas heranças.
Por outro lado, caso a morte do agente ocorra antes do trânsito em julgado da sentença penal condenatória, o dever de indenizar não será certo. É possível o seu reconhecimento, mas a partir de ação indenizatória própria na esfera cível a discutir a responsabilidade pela prática do ato ilícito e o dever de indenizar dos sucessores.
Anistia, Indulto Coletivo e Indulto Individual (Graça) – Art. 107, II, do Código Penal
Com exceção dos crimes hediondos (art. 5º, XLIII), todos os crimes podem ser anistiados. A anistia é uma forma de indulgência estatal referente a fatos delituosos.
A anistia é criada por lei federal e a sua entrada em vigor produz imediatamente os efeitos em relação aos crimes já praticados. É uma norma de natureza penal, não incriminadora e retroativa. A anistia extingue os efeitos penais, subsistindo, eventuais efeitos civis.
Enquanto a anistia se refere a fatos, o indulto se dirige a indivíduos determinados ou não com condenação transitada em julgado, podendo ser coletivo ou individual – este, anteriormente denominado de graça (como ainda trazido no Código Penal).
Portanto, as pessoas é que são beneficiadas com o indulto, sendo a pena, total ou parcialmente, esquecida. Diferentemente da anistia, que pode alcançar tanto os processos em andamento como situações já consolidadas, o indulto não rescinde a sentença condenatória e tem efeito apenas sobre a execução da pena.
O exercício do direito de punir no âmbito da execução é que deixa de existir. Os demais efeitos da pena condenatória são produzidos. Compete ao Presidente da República, na forma do art. 84, XII e parágrafo único da Constituição Federal, a concessão do indulto.
Abolitio Criminis – Art. 107, III, do Código Penal
Dando efetividade ao disposto no parágrafo único do art. 2º do Código Penal, sempre que uma lei penal nova descriminalizar uma conduta até então definida como crime, ela produzirá efeitos em relação aos que respondem a inquéritos, processos judiciais ou cumprem pena pela sua prática, decretando-se a extinção da punibilidade.
Persistem os efeitos civis da decisão, como o dever de indenizar, mas restauram-se, por exemplo, os direitos políticos do ex-condenado, então suspensos como decorrência da condenação.
Prescrição – art. 107, IV, do Código Penal
Quanto à prescrição, por suas características e peculiaridades, exige um texto específico. Contudo, a grosso modo, podemos dividir a prescrição em duas espécies gerais: a prescrição da pretensão punitiva e a prescrição da pretensão executória.
Prescrição da pretensão punitiva
Na primeira, o Estado perde a possibilidade de impor uma sanção penal. O órgão acusador, em decorrência dela, perde o interesse de agir. Pode se dar antes do oferecimento da denúncia/queixa ou durante o processo, até o trânsito em julgado da sentença penal.
Uma vez verificada, traz como consequência a ausência de qualquer efeito em relação ao acusado. A decisão que decreta a extinção da punibilidade em decorrência da prescrição da pretensão punitiva não produz qualquer efeito negativo ao acusado.
Prescrição da pretensão executória
Já na prescrição da pretensão executória, ela se dá em relação ao cumprimento da pena imposta. Já existe a condenação transitada em julgada, contudo, pela demora no início da execução da pena, ocorre a prescrição.
Nesse caso, o Estado perde a possibilidade de executar a sanção, mas persistem os demais efeitos da condenação.
Decadência – art. 107, IV, do Código Penal
Aplicável exclusivamente em relação a direitos exercíveis por particulares nas ações penais privada e pública, respectivamente aos de oferecer queixa e de representar contra quem se atribui a autoria do fato criminoso (“autor do fato”).
O art. 103 do Código Penal estabelece o prazo padrão de seis meses para o exercício do direito de queixa e de representação, contado do dia em que a vítima veio saber quem é o autor do fato definido como crime.
Uma vez expirado o prazo sem a propositura da queixa nos crimes de ação penal privada ou da representação nos de ação penal pública condicionada, ocorre a decadência e, assim, a extinção da punibilidade.
Perempção – art. 107, IV, do Código Penal
A perempção, igualmente prevista no inciso IV, ocorre nas ações penais privadas que já foram propostas.
O art. 60 do Código de Processo Penal traz as hipóteses de reconhecimento da perempção, traduzindo a todas elas a presunção de que o querelante (titular da ação penal privada) não possui mais o real interesse em ver o querelado condenado, evidenciado pela inércia ou pela negligência. Ocorre no curso do processo.
Renúncia ao direito de queixa ou perdão do ofendido – art. 107, V, do Código Penal
A renúncia é um ato unilateral do ofendido e que se dá antes da propositura da queixa. Ela ocorre fora do processo, podendo ser expressa (mediante declaração do ofendido) ou tácita, mediante a prática de um ato incompatível com o exercício do direito de queixa.
Nos casos de violência doméstica, a renúncia deve, na forma do art. 16 da Lei 11.340/2006, ser realizada em audiência. Com a renúncia, não haverá pretensão punitiva contra o querelado.
Já o perdão do ofendido, também verificado apenas nas ações penais privadas, é um obstáculo à continuidade da ação penal já proposta, podendo se dar até o trânsito em julgado.
O perdão concedido antes da queixa não é perdão, mas renúncia. Ao contrário da renúncia, ele é bilateral, ou seja, depende da proposta pelo querelante e do aceite pelo querelado. Se o querelado recusar o perdão, segue a ação penal.
Retratação do agente – art. 107, VI, do Código Penal
A retratação do agente, que se constitui em desfazer o ato ilícito praticado, produz efeito nos crimes de calúnia, difamação e falso testemunho.
O querelado desfaz a calúnia ou a difamação, ou refaz o seu depoimento a restabelecer a verdade. Apresenta limitação temporal para a sua ocorrência – antes da sentença.
Perdão judicial – art. 107, IX, do Código Penal
Existe a possibilidade de a Autoridade Judiciária deixar de aplicar a pena cominada em hipóteses específicas previstas no ordenamento jurídico.
A sentença reconhece a tipicidade, antijuridicidade e culpabilidade, mas julga extinta a punibilidade em virtude do perdão. Ela não produz efeitos condenatórios. Ou seja, não constituem maus antecedentes, reincidência ou possibilidade indenizatória. Anteriormente era restrito na práxis às hipóteses de homicídio culposo, lesão culposa e injúria provocada pela vítima.
No entanto, desde o advento do art. 13 da Lei 9.807/99 e da Operação Lava Jato, o perdão judicial passou a ter maior relevância, uma vez que é utilizado como moeda de troca nas negociações envolvendo colaboradores e o Ministério Público em crimes praticados por organizações criminosas.
O perdão judicial é causa extintiva de punibilidade reconhecida na sentença condenatória.
Transcurso temporal dos prazos de suspensão condicional
Outra hipótese de reconhecimento de extinção da punibilidade se dá pelo decurso de lapso temporal de condição imposta ao acusado ou ao condenado.
A suspensão condicional do processo, prevista no art. 89 da Lei 9.099, impõe um período de prova ao denunciado que, uma vez transcorrido com o cumprimento de condições impostas pelo Ministério Público e homologadas pela Autoridade Judiciária, ao seu final importará na extinção da punibilidade.
Da mesma forma, no caso de suspensão condicional da pena, sursis, o decurso do período de prova – lapso temporal em que se impõem condições ao condenado para que ele não seja preso, como prestação de serviços à comunidade – extingue a punibilidade. Persiste os efeitos da sentença penal condenatória, mas não a necessidade de recolhimento do condenado.
No caso de livramento condicional, o condenado é colocado em liberdade antes do término da pena aplicada, nas formas do art. 83 do Código Penal, mediante condições impostas pela Autoridade Judiciária (art. 85).
A partir daí, ele terá direito à liberdade que poderá ser revogada a qualquer tempo pela condenação por crime anterior ou por novo crime.
Satisfeitas as condições e não revogado o livramento, ao final do período o condenado terá extinta a punibilidade, no que diz respeito ao interesse do Estado no cumprimento da pena privativa de liberdade. Persistem os demais efeitos da condenação.
Pagamento e satisfação de parcelamento do débito tributário
Nos crimes contra a ordem tributária, o pagamento integral do tributo devido, a qualquer tempo, extingue a punibilidade – HC 116.828, STF.
Por outro lado, no que diz respeito ao parcelamento, é imprescindível que ele se dê antes do recebimento da denúncia para que o processo seja suspenso. Hipótese em que, uma vez satisfeito o parcelamento, será extinta a punibilidade.
Reparação do dano no caso de peculato culposo
No caso do peculato culposo, art. 312, §2º, do Código Penal, se o acusado reparar o dano causado até a prolação de sentença irrecorrível, será extinta a punibilidade.
Extinção da punibilidade pelo cumprimento da pena
O cumprimento da sanção penal imposta é a forma mais comum de extinção da punibilidade.
O art. 66, II, da Lei de Execuções Penais, estabelece que compete ao juiz da execução declarar extinta a punibilidade. Tal declaração se refere à extinção da punibilidade decorrente da satisfação da sanção penal restritiva de liberdade ou de direitos imposta ao condenado.
A partir do cumprimento do período de pena imposto ou da pena restritiva de direitos substitutiva da privativa de liberdade, a Autoridade Judiciária encarregada da execução penal declarará extinta a punibilidade.
Ou seja, a partir da satisfação da pena imposta não persiste mais nenhum interesse do Estado no exercício do direito de punir, exaurido pela execução da pena.
Como é possível perceber, não se faz aqui remissão à necessidade de satisfação do pagamento da pena de multa imposta ao condenado, uma vez que esta se constitui em dívida de valor.
É importante também trazer o entendimento do Superior Tribunal de Justiça referente ao não pagamento da pena de multa como hipótese que não obsta a extinção da punibilidade.
Como a multa, a partir da leitura do art. 51 do CP, é uma dívida de valor, e o seu inadimplemento não pode trazer como consequência a impossibilidade de reconhecimento da extinção da punibilidade.
Isso porque, independentemente de seu adimplemento ou não, não há mais qualquer interesse de controle de liberdade do indivíduo pelo Estado e, portanto, não há interesse punitivo penal.
Tal questão é ainda tormentosa, pois vários tribunais de segundo grau ainda têm o entendimento de que o inadimplemento da pena de multa impede o reconhecimento da extinção da punibilidade.
Contudo, é juridicamente correto o entendimento do Superior Tribunal de Justiça traduzido no acórdão do REsp 1.519.777 – SP.
Conclusão
Como se percebe, por mais rotineira que seja a aplicabilidade da extinção da punibilidade no direito penal brasileiro, ainda há questões que não estão assentadas o que impõe um olhar permanentemente cuidadoso dos operadores do direito.
É importante ter sempre presente a separação dos momentos do processo em que as hipóteses se operam, uma vez que, na maioria das possibilidades, a produção de efeitos possui relação direta com o momento processual em que se dá a decretação de extinção da punibilidade.
Ao mesmo tempo, é importante se atentar para os efeitos que, em muitos casos, como visto, não se limitam ao campo criminal, mas são igualmente produzidos na esfera cível.
Por fim, é possível haver questionamentos, com exceção da hipóteses de extinção da punibilidade pelo cumprimento, quanto à razão pela qual o Estado perde o interesse no exercício do direito de punir.
Contudo, é preciso sempre relembrar que o poder de restringir a liberdade é conferido ao Estado pelos próprios indivíduos que integram a sociedade. Tal outorga de poderes, porém, não é absoluta, muito menos eterna.
Assim, a necessidade de um balizamento legal busca traduzir hipóteses em que a sociedade, na ficção do contrato social, tem o interesse de frear ou de restringir as hipóteses de imposição de punição para que os cidadãos não se vejam submetidos a um poder absoluto e contrário a outras normas que compõem o ordenamento jurídico.